Tudo pronto. Relógios acertados e sincronizados. Tudo que deve ser feito perfeitamente claro e memorizado. Não há espaços para falhas.
Descendo silenciosamente pelas correntes, jamais descalços, hábeis e cuidadosos, sob o olhar e coordenação atenta de quem detém o comando.
Ciclistas competindo em bicicletas ergométricas; pessoas, barulho, confusão. Inesperadamente e do modo mais sutil e despercebido que lhes foi possível em relação à multidão que os cercava, lentamente seis bicicletas descem de ré até seis reservados; na fração de segundo entre a entrada e a saída, bicicletas ocultas e uma nova vestimenta: podem sair em meio à multidão como simples meia dúzia de executivos.
O relógio está a seu favor, tempo nem sobrando nem faltando. Onde estará agora? Já deveria ter aparecido. Abordam pessoas na rua, como se vendendo ou oferecendo seus serviços, apenas para não levantar suspeitas quando fosse a pessoa certa. Mas onde estará? O tempo corre, não lhes é possível esperar. De todas as coisas que podem ser mudadas durante o percurso, a única que não se pode é o tempo. Este tem que ser exato e perfeito.
Seguem mais adiante, agora falta cada vez menos. Uma ligeira sensação de que o sucesso está por vir.
Na esquina, esperando pelo momento exato. Ônibus e mais ônibus passando, nenhum deles é o correto. De novo o relógio, começam a estar atrasados. Nada bom, nada bom. Duas pessoas estranhas se comunicando com outros dois deles. Parecem ser as pessoas certas, mas de alguma maneira invertidas. Isso! Seus papéis estão trocados, mas como isso foi acontecer? Como se, lendo um livro, pulasse duas ou três páginas sem perceber e a leitura tivesse prosseguido. Algo errado, mas agora parece que tudo vai se encaix...
Escuro. Silêncio.
Novamente ansiedade. Sentados no sofá da sala, tudo cor de creme, o beagle correndo. O grande relógio na parede parece não querer fazer o tempo passar. Tudo já conferido mais de dez vezes, os relógios estão sincronizados e perfeitamente acertados. Olhando para a varanda por onde descem as seis correntes, só à espera do sinal. Dessa vez não pode haver nenhum erro.
Mas como num rápido cochilo despercebido e inesperado, o sinal já passou e agora têm de correr contra o tempo. Está escuro, a pressa não ajuda; tudo dever ser feito no automático, não há tempo para pensar, o treinamento exaustivo e extremamente repetitivo vai ter de dar conta do recado. Um grito quase surdo: “Descalça! Descalça não! Volte, você está descalça!”. Não importa mais, ia ter que fazer descalça mesmo.
A competição nas bicicletas ergométricas já começou. Tomam seus lugares com uma habilidade incomum, mal pedalam três vezes e já é hora de descer para o reservado. Dessa vez, gravatas tortas e camisas com botões nas casas erradas. A grama verde sendo pisoteada pela multidão que os cerca, as grades em volta dos ciclistas... Meros flashes gravados em meio à confusão.
Não há muito tempo que possibilite esperar. A regra mais importante já quebrada; teriam que fazer alguma coisa a respeito, ou a punição seria severa. Já não via os companheiros, aparentemente estava sozinha. Teria que ir sozinha até o final.
A mesma esquina, mas agora alguém a abordou, não é a pessoa certa, insiste em falar e explicar, será que não percebe que só está atrapalhando? Tenta desvencilhar-se, mas essa missão parece impossível.
Finalmente vê as mesmas duas pessoas em seus papéis trocados. Estão em frente ao ônibus, dessa vez o ônibus certo, o trailler. Sim, agora sim! Os cabelos rosa e azul-turquesa não combinam em nada com o cenário sombrio. Aproxima-se cada vez mais, as mesmas páginas parecendo ter sido puladas, mas agora tudo se encaixaria, tudo se explicari...
E acordou.